
Canudos
A história do lugar
Após o primeiro embate entre conselheiristas e militares, ocorrido em 1983 na localidade de Masseté, onde atualmente fica o município de Quijingue–BA, Antônio Conselheiro resolveu encerrar a peregrinação pelo Nordeste e estabelecer um local fixo de estadia com os seguidores. O livro “Canudos: uma vila florescente e rica” destaca que esse confronto foi o acontecimento principal que levou o Conselheiro a iniciar a povoação do arraial de Canudos, conhecido também como Belo Monte, às margens do Rio Vaza Barris, território que pertencia ao município de Monte Santo.
A escolha do local não foi feita de forma aleatória, pelo contrário, foi considerada toda uma questão logística que auxiliasse a comunidade. A área onde os conselheiristas se fixaram fornecia acesso fácil a outras comunidades e facilidade de comunicação. No local, havia estradas para Jeremoabo, Uauá, Rodelas, Várzea da Ema, Chorrochó e outras localidades próximas, todas no estado da Bahia. Esse acesso a outros locais fez com que as palavras de Antônio Conselheiro se propagassem pelo Sertão.
A área escolhida também oferecia condições de defesa contra os inimigos que os atacaram anos mais tarde. A geografia local reunia boas condições de defesa e de ataque devido às serras e colinas ao redor. O arraial estava cercado por essa fortaleza de vales e desfiladeiros.
Canudos se transformou em lar para milhares de pessoas vindas de diversos locais do Nordeste. Chegaram à vila grupos de peregrinos de vários locais da Bahia, como: Juazeiro, Monte Santo, Alagoinhas, Jeremoabo, Curaçá, Chorrochó, Pombal, Tucano, Inhambupe. Os migrantes também chegavam de outros estados.
MAPA DE MIGRAÇÃO
O militar Henrique Duque Estrada, em “A guerra de Canudos” afirma que famílias inteiras se reuniam, às vezes vendiam os próprios pertences e iam embora para a “Cidade Sagrada”. Em poucos meses, Canudos se transformou em uma das maiores povoações do interior baiano.
“As pessoas iam a Belo Monte porque viam no Conselheiro uma esperança. A promessa das barrancas de leite e do rio de cuscuz representava, na verdade, a possibilidade do povo que não tinha o que comer, passar a ter uma alimentação diária” explica o historiador e professor João Ferreira Damião.
Para as dezenas de habitantes que chegavam à vila diariamente, o número de construções no local também alcançou os dois dígitos por dia. Estima-se que, no ponto mais alto da migração a Canudos, eram construídas em média 12 casas por dia. As residências eram modestas e possuíam poucos cômodos.
Não há consenso quanto à estimativa do número de moradores que viviam no arraial de Canudos. As afirmações variam entre oito e 30 mil habitantes. A informação mais comum de se encontrar é de que havia 25 mil moradores em Canudos, mas esse dado é contestado pelo pesquisador Renato Marques Ferraz, que afirma que no local moravam no máximo 12 mil pessoas.
O tenente-coronel Cândido José Mariano, que comandou a Polícia do Amazonas na guerra, foi quem primeiro realizou um cálculo sobre o número de casas no Arraial. Ele apontou 5.235 moradias. A estimativa é corroborada por outros escritores, como Euclides da Cunha. Mas há quem tenha outra métrica, como Henrique Duque Estrada, que aponta um total de 6.500 lares.
O historiador conselheirista João Batista Lima, 39 anos, afirma que não considera plausíveis as estimativas de que o arraial de Canudos tinha 25 mil habitantes. “O jornalista Favila Nunes disse ter contado cerca de mil casas em Belo Monte, por exemplo. Historiadores como João Ferreira sustentam que a população não passava de oito mil. Em minha avaliação, é difícil imaginar que o local teve mais do que seis ou oito mil”, afirma.

Desenho representando o Arraial de Belo Monte - Ontoniel Fernandes Neto
Canudos era formado majoritariamente por pessoas pobres, trabalhadores rurais que fugiram de grandes latifúndios, indígenas e escravizados recém-libertos que não tinham para onde ir após a abolição da escravatura. Todos buscavam que o arraial fosse a terra prometida, com rios de leite e ribanceiras de cuscuz.
O historiador João Batista Lima, explica que cerca de 70% da população era formada por negros da diáspora africana e outros povos. “Eram pessoas que após a abolição da escravatura ficaram sem casa, salário ou terra. Elas foram para Canudos em busca de uma vida digna. Além disso, nós reconhecemos pelo menos três etnias indígenas no arraial: os cariris, os Kaimbé e os tuxás. Há também as centenas de camponeses pobres que encontraram ali um lar”.
O cotidiano do arraial de Canudos era de atividade constante e todas as pessoas possuíam atribuições, independente de gênero e idade. Homens e mulheres eram responsáveis pela fabricação dos utensílios do trabalho diário e pelo cultivo da terra que fornecia o alimento da comunidade. A agricultura local cultivava plantações de legumes, milho, feijão, batatas e outros alimentos necessários. Os moradores se ocupavam também da pecuária, principalmente da criação de bodes, dos quais as peles eram vendidas no Brasil e no exterior, especialmente na Alemanha. Essa renda era importante para a manutenção do arraial, para além do que era produzido localmente.
A comunidade ali formada era unida em torno da partilha e da solidariedade de uns com os outros. Para alguns líderes políticos e jornais da época, Canudos foi uma tentativa sertaneja de construir uma experiência comunista no Sertão da Bahia. Aqueles que escolhiam viver no arraial recebiam todas as condições para uma vida digna: um lar, trabalho e alimentação.
“Um dos grandes legados de Antônio Conselheiro foi ensinar que uma sociedade se constrói de baixo para cima”, afirma o historiador e professor João Ferreira Damião.
Era comum a vinda de pessoas de várias localidades da região para missas, casamentos, batizados e outras celebrações. O padre Vicente Sabino dos Santos, de Massacará, ia a Belo Monte para realizar celebrações mensalmente ou a cada dois ou três meses. Como batismos e casamentos eram pagos, o Conselheiro também organizava a logística para concentrar cerimônias num único dia, reduzindo os gastos do povo. A comunidade vivia em harmonia.
Mas em novembro de 1896, a paz que fazia parte do cotidiano canudense foi rompida de súbito a ferro, fogo e sangue. As elites e o estado resolveram determinar a morte daquela gente que buscava condições de vida digna. Um ataque também à constituição vigente na época, que garantia amplo direito de defesa e o contraditório a quem estivesse sob acusações. Canudos não pode ser ouvida para além dos gritos dos seus que morriam.

As versões mais comuns sobre as motivações que levaram ao desencadeamento do massacre em Canudos são as disputas pelo poder na política da Bahia, a insatisfação dos latifundiários da região diante da ausência de trabalhadores e a oposição da igreja católica diante das pregações conselheiristas.
Transcrição de um discurso contra Antônio Conselheiro na assembleia legislativa da Bahia (1896)
Um marco no crescimento das hostilidades contra Canudos foi a visita dos frades capuchinhos ao arraial em 1895. Eles chegaram ao local em missão religiosa, mas na prática atuaram para dispersar a população e desconstruir a organização local. A partir desse episódio, Antônio Conselheiro e a população tornam-se alvo, sobretudo de setores aliados à igreja e do alto clero que ficaram incomodados com o movimento sertanejo.
O início do massacre

Cadáveres nas Ruínas da Canudos - Foto: Flávio de Barros
No ano de 1896, durante a construção da Igreja de Bom Jesus, a igreja Nova, a comunidade encomendou madeira em Juazeiro-BA, com o comerciante João Evangelista Pereira de Mello, devido à falta de fornecedores mais próximos. A madeira foi negociada e devidamente paga pelos conselheiristas, mas não foi entregue no prazo determinado. Com o andamento da obra comprometido devido à falta de matéria-prima, um grupo de canudenses resolveu buscar o material por conta própria.
A notícia da visita dos conselheiristas chegou como um alarme ao juiz da comarca local, Arlindo Leone, que já conservava antipatia antiga pelo Conselheiro. O juiz então alertou os moradores e autoridades locais que os canudenses estavam indo à cidade promover um saque à feira local. Leone expediu um ofício ao então governador da Bahia, Luís Viana, para solicitar o envio de policiais para conter a invasão a Juazeiro.

Arlindo Leone, juiz da Comarca de Juazeiro no início do massacre de Canudos
Leone foi atendido e o governo da Bahia enviou a Juazeiro a primeira expedição para combater Antônio Conselheiro e os seguidores dele. A tropa comandada pelo tenente Manuel Pires Ferreira era composta por 113 praças e três oficiais. A expedição chegou a Juazeiro no dia 7 de novembro e, na madrugada seguinte, em Uauá, foram surpreendidos por conselheiristas que estavam em maior número e conseguiram vencer os militares.
A força de combate demonstrada pelos sertanejos surpreendeu os militares e foi imediatamente organizada a segunda expedição contra Canudos. A tropa dessa vez foi comandada pelo Major Febrônio de Brito e era consideravelmente maior do que a primeira. O inimigo foi a Canudos com quase seis vezes mais praças, cerca de 600, além de 10 oficiais e poder de fogo maior com canhões Krupp e três metralhadoras Nordenfelt.
Apesar da quantidade de homens e do poder bélico trazido, a segunda expedição, enviada em janeiro de 1987, não conseguiu chegar a Canudos. Na serra do cambaio, há alguns quilômetros de distância do arraial, os militares foram surpreendidos pelos conselheiristas sob o comando de João Grande, comandante de uma das cabecilhas de combate.
Os sertanejos estavam no alto da serra e possuíam posição privilegiada para atacar os soldados. Os conselheiristas portavam armas precárias como garruchas, bacamartes, facões, bestas, chuchos, arcos e flechas — principalmente os indígenas do local. Por estarem com armas de combate corporal, os conselheiristas desciam a serra e travavam o combate físico com os soldados, que por sua vez revidaram com o arsenal levado ao sertão. Os jagunços baleados corriam em direção à lagoa do cipó e tombavam mortos. Quando o combate chegou ao fim, a lagoa estava com a água vermelha de sangue dos conselheiristas e passou a ser conhecida como lagoa de sangue.
Diante das perdas de duas expedições e com a pressão política dos florianistas - partidários e admiradores do então ex-presidente, Floriano Peixoto - que entendiam Canudos como um foco de corrente monarquista, o governo federal assumiu o comando militar contra os conselheiristas. O coronel Antônio Moreira César, conhecido como o corta-cabeças, foi o escolhido para comandar as novas tropas que iriam mais uma vez tentar derrubar o arraial.

Coronel Antônio Moreira César - P. Netto - Revista Illustrada
O coronel já havia combatido na Revolta Armada e na Revolução Federalista. Moreira César chegou a Canudos em março de 1897 com cerca de 1.300 praças, dezenas de oficiais, dois médicos, dois engenheiros, um comboio de cargueiros e seis canhões krupp.
Moreira César vinha dotado de tamanha confiança na vitória que, antes mesmo de chegar às proximidades do arraial, escreveu ao então Ministro da Guerra do Brasil, Francisco de Paula Argolo: “só temo que o fanático Antônio Conselheiro não nos espere”. Ele, entretanto, não estava preparado para o que encontrou em Canudos. A formação geográfica da região do arraial e as estratégias de luta dos conselheiristas surpreenderam a tropa de Moreira César, que não teve sucesso em derrubar a comunidade.
Após ter sofrido inúmeras baixas e perdido batalhas, Moreira César foi morto em combate. Morreram também o coronel Pedro Nunes Tamarindo (sucessor de Moreira César) e os capitães Salomão Rocha e Joaquim Quirino Vilarim. Cristiane Costa e José Antonio Xexéo apontam em um artigo sobre a terceira expedição que 12 oficiais foram mortos. A terceira derrota republicana criou um clima de pânico a partir da capital do país. Canudos era um perigo crescente.
“A terceira expedição veio para produzir um grande efeito. Chamaram Moreira César, que lutou na Revolução Federalista e era cotado como possível candidato à Presidência. A repercussão da derrota foi enorme no país e fora dele. Versos, poemas e cordéis multiplicaram-se por causa do episódio envolvendo Moreira César. Dos versos populares, ficaram no imaginário frases do tipo: ‘Moreira César, caldo de cana caiana; foi lutar em Canudos, morreu nas umburanas’. A comoção mobilizou o Estado e o Exército para uma investida ainda mais forte contra Canudos”, comenta o historiador João Batista.
Com o clima hostil que agitava o Brasil a partir das repercussões geradas pela derrota do Coronel Antônio Moreira César, o Governo Federal decidiu organizar a quarta expedição. Ali, foram colocados à disposição todos os recursos que o exército possuía ao final do século XIX e o nome escolhido para comandar a maior tropa de ataque a Canudos foi do General Artur Oscar de Andrade Guimarães.

Luiz Viana, então governador da Bahia, emite uma autorização de crédito ajudar no financiamento do massacre
A quarta expedição foi dividida em duas colunas, uma comandada pelo general João da Silva Barbosa, que partiu por Queimadas; outra sob o comando do general Cláudio do Amaral Savaget, que marchou de Aracaju. A divisão do ataque foi estabelecida por questões estratégicas para cercar o arraial de Canudos.
A organização da última expedição foi realizada às pressas devido à pressão que o contexto impunha sobre o governo. Entre o final de março e o início de abril de 1897, as tropas foram montadas. A quarta investida sobre o arraial de Canudos teve cerca de 700 oficiais, com generais, coronéis, majores, capitães, tenentes, engenheiros e contava com aproximadamente 10 mil soldados, bem como vários corpos e brigadas das polícias estaduais. Os militares contavam com dezenas de canhões, entre eles o Withworth 32, apelidado pelos conselheiristas de matadeira. A tropa possuía também inúmeros cargueiros, ambulâncias e uma enormidade de equipamentos.
Apesar de todo o aparato bélico levado a Canudos pelos militares, as dificuldades encontradas durante o trajeto foram enormes. Fome, sede e abandono de liderança se fizeram presentes entre as tropas e impuseram obstáculos que comprometeram o desempenho da campanha. Muitos soldados estavam mal equipados, mal instruídos e mal pagos para participarem daquele genocídio.
A situação se agravava diariamente e os objetivos da expedição eram ameaçados. O número de baixas entre os militares crescia, enquanto a população canudense aproveitava das armas e munições abandonadas pelos inimigos para elevar a capacidade de combate. Após alguns meses de batalha, o governo precisou enviar mais tropas ao sertão baiano para reforçar o exército após as perdas ocorridas.
Diante da gravidade da situação, o ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, resolveu ir pessoalmente ao sertão para acompanhar de perto o massacre imposto contra o arraial e impor a ordem de que no arraial não deveria ficar “pedra sobre pedra”, para que outros lugares semelhantes não criassem raízes. Machado Bittencourt ficou instalado na cidade de Monte Santo e adotou medidas estratégicas para garantir a vitória do exército sobre Canudos. Uma dessas medidas foi a de reestruturação do serviço de abastecimento das tropas com água e alimentação.
Antônio Conselheiro morreu no dia 22 de setembro 1897. Não há consenso sobre qual foi a causa da morte do beato, e as razões mais apontadas são ferimentos causados por uma granada e uma forte disenteria. Conselheiro faleceu antes da última investida das tropas militares contra Belo Monte. Com a morte do líder religioso, parte do povo ficou desolado e a partir dali a resistência foi se reduzindo. No dia seguinte, o exército fechou o cerco às estradas de acesso ao arraial. No dia 25, o cerco alcançou a praça das duas igrejas.

Corpo exumado de Antônio Conselheiro - Flávio de Barros
Apesar da bravura dos sertanejos em resistir à força bélica imposta pelo estado da Bahia e pelo Governo Federal, o genocídio foi consumado. Os sertanejos que defendiam o lar invadido, sucumbiram. Após 332 dias de luta, o arraial caiu no dia 5 de outubro.
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Vencido palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados” aponta Euclides da Cunha, na obra Os Sertões.
Estima-se que cinco mil soldados morreram durante a guerra. Do lado canudense, apenas alguns poucos conseguiram fugir, Ivo Branco aponta no documentário "Os órfãos de Canudos" que aproximadamente 200 pessoas ficaram com vida ao término do massacre. A selvageria não foi encerrada quando os últimos conselheiristas se renderam após a queda do arraial.
“Canudos é a maior vergonha da histório do exército brasileiro.” - João Ferreira Damião
Os prisioneiros foram degolados, as casas foram destruídas e parte do local e dos corpos dos mortos foram incendiados. As denúncias posteriores ao conflito relatam que a crueldade imposta ali foi imensa — pouco vista até hoje pela humanidade. Os relatos dão conta de episódios como um soldado arremessando uma criança em direção a uma árvore para lhe estourar a cabeça.
O Estado brasileiro se vingou da tentativa ousada daquelas pessoas que só queriam existir e viver com dignidade.
Canudos após o genocídio

Rua principal da vila da "segunda Canudos" - Acervo pessoal de Eldon Canário
No pós-guerra, iniciou-se a perseguição aos sobreviventes. Muitos demoraram a retornar; alguns se esconderam na caatinga, outros mudaram de Estado. Por medo, quase ninguém se dizia de Canudos. O tema “Canudos” não era tratado nas escolas nem em outros espaços, porque o nome inspirava temor. A perseguição marcou essas pessoas por décadas. “Em 1946, quando Odorico Tavares veio fazer reportagem para a revista O Cruzeiro e entrevistou sobreviventes, muitos disseram: ‘Não, moço, deixe isso pra lá, isso já foi, já passou.’ 50 anos depois, o medo e o silêncio ainda persistiam”, indica João Batista Lima.
Em 1909, 12 anos após o fim do genocídio, alguns sobreviventes retornaram ao local de forma tímida. Algumas casas foram construídas próximas ao antigo arraial, outras foram levantadas mais longe. Começava a se formar a “segunda Canudos”. Entre as famílias que compuseram a comunidade estavam: Os Guerra, alguns herdeiros dos Ciríacos, remanescentes ligados a Joaquim Macambira; os Régis e a família de Pedrão. Nem todas eram originárias da região, mas ajudaram a erguer a segunda Canudos.
A comunidade cresceu nos anos seguintes e passou a produzir um cotidiano e cultura como marca de identidade. Um dos elementos culturais da segunda Canudos era a feira livre. Era dia de celebração e festa, de reunião. A feira reunia também moradores da Barriguda, Angico e outras localidades ao redor. A chegada do Departamento Nacional de Obras Contras as Secas (DNOCS), ajudou a alavancar a economia da vila, que passou a receber mais pessoas.
O local tinha também as tradições populares como a festa de Santo Antônio. A comunidade era de convivência intensa e o barracão da feira era o centro dessa sociabilidade. Os moradores da comunidade se apegaram fortemente àquela terra.
Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas visitou Canudos e questionou os moradores sobre o que a comunidade precisava e as lideranças indicaram que gostariam que um açude fosse construído para abastecer o local. A comunidade foi atendida e o projeto começou a ser detalhado em 1946. Após a realização de estudos topográficos e hidrológicos, foi definido que a melhor bacia era a de Canudos.
A população não sabia que a vila ficaria submersa. João Batista Lima explica que os moradores só tiveram ciência mais tarde, “Essa consciência veio apenas bem depois, com o avanço das obras ao longo dos anos”. As obras iniciaram em 1950. Após diversas paralisações, o projeto foi retomado em 1964, durante a ditadura militar, e concluído em 1968.
As pessoas da comunidade não podiam mais morar ali, na segunda Canudos. Mas, o desejo de permanecer naquela terra era tamanho que fundaram mais acima da barragem uma nova povoação, a Pombinha Branca. O local nasceu com a Rua do Barro, Gogó da Ema, Rua do Cachorro-Quente e Rua do Chofé (fragmentos dessa história foram registrados anos mais tarde nas músicas de Bião de Canudos). Ainda em 1968, houve um episódio importante: a ameaça do rompimento da barragem. Um guarda percebeu o vazamento e acionou os engenheiros. Diante do risco de a barragem estourar, os moradores começaram a desocupar as casas e se mudar para onde é hoje o Centro da “Terceira Canudos”.
Em março de 1969, o açude encheu por completo pela primeira vez com cerca de 170 milhões de metros cúbicos de água, e aquele torrão que a comunidade chamava de meu, foi engolido pelas águas. A igreja dos casamentos e batizados, o cemitério, o campo de futebol e as ruas, tudo foi engolido.
A população não queria sair daquele lugar, mas foi obrigada a deixar a vila para sobreviver. “Quando o açude começou a encher, ainda havia pessoas que moravam no local e elas foram arrastadas de suas casas para não morrerem afogadas, teve gente que saiu com água no pescoço”, relembra João Ferreira.
Não há documentação comprobatória, mas muitos dos estudiosos sobre Canudos defendem que a construção do açude onde ele é localizado atualmente, foi uma forma de apagar a memória do local e a vergonha da República por ter sofrido três derrotas para os conselheiristas. Sobre esse acontecimento, João Batista, historiador, cita o professor e também historiador Manoel Neto, o qual afirma que:
“sob as águas, a chaga se fecharia e Canudos não passaria de registro da história.”
“Sob as águas, perdeu-se muito. Se não houvesse açude, Canudos talvez hoje fosse mais desenvolvida, até turisticamente: poderia ser destino de romeiros para reverenciar o cruzeiro — já chamado à época de Cruzeiro Salvador, Cruzeiro das Almas. Submergiram os escombros e alicerces da Igreja Nova e da Igreja Velha, o pedestal do cruzeiro, a igreja da segunda Canudos e tantos outros vestígios. O patrimônio material e histórico encoberto é imenso”, reforça João Batista Lima.
Atualmente, a cidade possui alguns locais que preservam essa memória. Um dos principais é o Parque Estadual de Canudos que é um dos cenários do massacre. No local ainda é possível encontrar cartucheiras, balas de fuzil e pistola e até os ossos dos que morreram na luta. O Memorial Antônio Conselheiro também possui um papel de destaque para manter a história viva de Canudos.
O Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC) também está incluso nesse circuito de manutenção da história. O local é responsável por guardar parte da madeira comprada pelos conselheiristas em Juazeiro-BA e que foi o estopim do massacre. Além disso, o IPMC abriga também o cruzeiro que ficava em frente a igreja velha no arraial de Belo Monte, elemento fundamental da história canudense.